SAFED, A CIDADE SAGRADA
Afastada dos principais centros turísticos de Israel, Jerusalém e Tel Aviv, e relativamente pouco conhecida pelos turistas que visitam o país, a cidade de Safed tem uma importância histórica fundamental tanto como centro intelectual e religioso do judaísmo, quanto como sede judaica pré-sionista em Eretz Israel. Junto com Jerusalém, Hebron e Tibérias, Safed é uma das quatro cidades sagradas de Israel.
Um viajante iemenita que a visitou em 1567 ficou impressionado com o intenso fervor espiritual que reinava na cidade naquela época:
"Eu penetrava na cidade e via que a Presença Divina estava estabelecida em seu seio, porque lá vivia uma grande comunidade de 14 mil membros. Dispunha de 18 yeshivoth consagradas ao aprofundamento do Talmud. Lá vi a luz da Torá, e para os judeus havia esplendor; eles ultrapassavam as outras comunidades, eram a glória das glórias e tinham aberto uma brecha nas fronteiras da sabedoria: entre eles não havia ignorantes."
Safed exerce até hoje este mesmo impacto sobre o visitante judeu. Em cada canto revivem memórias queridas ao nosso povo e repletas de esplendor espiritual.
Já a estrada para alcançar a cidade, entre moshavim e kibutzim arborizados, casas bonitas e montanhas recobertas de oliveiras e videiras, inebria o coração de tanta beleza: com o coração aberto afloram à memória nomes e figuras dos mestres que lá viveram, sinagogas e yeshivot em que rezavam, estudavam e ensinavam, túmulos em que descansam seus restos mortais. Conhecer estes lugares e defrontar-se com a memória que evocam causa uma impressão profunda e marcante.
Safed é indiscutivelmente o principal centro da Cabala, tornando-se depois um importante centro chassídico.
É a cidade principal da Alta Galiléia, situada em posição privilegiada a 850 metros de altura, ao norte de Tiberíades e ao leste de Acre. Tem por volta de 17 mil habitantes; sua economia é baseada principalmente no turismo e lazer, explorando suas belezas naturais e seu clima montanhoso, deliciosamente seco e fresco durante os meses de verão.
Na Cidade Velha o pitoresco bairro dos artistas, onde residem, trabalham e expõem numerosos pintores e escultores, é uma grande atração turística com suas galerias e exibições.
Passar um Shabat na cidade é uma experiência inesquecível. Na sexta-feira há muita animação e movimento nas ruas, as pessoas estão apressadas, o transito de ônibus e carros e o barulho são intensos e por todo lado há gente comprando flores, frutas e presentes para seus familiares. Com o aproximar-se do Shabat, o silêncio e a paz descem sobre as ruas e sente-se no ar a chegada do dia de repouso. De repente, o silêncio é rompido e volta a haver movimento nas ruas. As pessoas agora não estão mais apressadas. A passos majestosos se dirigem às sinagogas. Desfila uma multidão variada e heterogênea: chassidim vestindo chapéus de pele e mantos pretos de seda, sabras usando camisas com o colarinho aberto, pais de família conduzindo seus filhos pela mão, turistas provenientes de vários países. Todos se cumprimentam com um caloroso e cordial Shabat Shalom e seus rostos irradiam alegria.
Durante a reza de Cabalat Shabat o espírito de várias gerações de sábios está presente no ar e todos participam dessa experiência mística.
No antigo bairro judeu, preservaram-se até hoje seis sinagogas antigas, duas de Rav Isaac Luria: a primeira, pertencente à comunidade sefaradita, data do séc. XVI; a segunda, ashquenazita, foi restaurada após o terremoto de 1837. Outras sinagogas famosas são as de Rav Yosef Ha-Bannai, Rav Josef Caro e Rav Isaac Aboab.
Além da visita das sinagogas, os túmulos dos grande mestres cabalistas enterrados em Safed são lugar de assídua peregrinação e fonte de constante inspiração para os judeus de Israel e da diáspora. Na cidade também encontram-se vários banhos rituais que remontam a 200-500 anos atrás.
A cidade não é mencionada na Bíblia. Provavelmente se identifica com o povoado de Sepph citado pelo historiador Josephus. No Talmud Yerushalmi é mencionada como um dos lugares altos dos quais eram acesas fogueiras para enviar sinais que anunciavam o Rosh Chodesh (Lua Nova) e as festividades durante o período do Segundo Templo. Após a destruição deste, lá se estabeleceram algumas famílias de sacerdotes.
Até a época das Cruzadas, não temos mais notícias da cidade, que reapareceu em 1140, sob o nome de Saphet, como fortaleza construída pelo rei Fulk de Anjou. Em 1188 foi ocupada por Saladin. Reconquistada pelos Cavaleiros da Ordem dos Templários em 1240, passou das mãos dos Cruzados às do sultão Mameluk Baybars em 1266. Este aumentou suas fortificações e nela estabeleceu o quartel-general de sua província que se estendia à Galiléia e ao Líbano.
A presença judaica em Safed é documentada desde meados do século XI e continuou a florescer nos séculos seguintes sob a proteção do governo de Mameluk.
Seguindo a expulsão dos judeus da Espanha (1492), a cidade recebeu um fluxo notável de refugiados e atraiu inúmeros rabinos e intelectuais judeus.
Na época da conquista otomana, em 1516, Safed contava 300 famílias judias de sefaradim, ashquenazim e italianos que viviam principalmente do comércio de especiarias, azeite, queijo, frutas e verduras.
Em meados do século XVI a cidade viveu um grande florescimento espiritual, uma certa prosperidade econômica, e um crescimento da população judaica (716 famílias), tornando-se o maior centro do misticismo judaico.
Entre as figuras de maior destaque lembramos o Rabi Josef Caro (1488-1575), grande codificador, que redigiu o Schulchan Aruch, obra de referencia do judaísmo religioso. Caro foi também um grande cabalista, e nesse ponto se situa a especificidade de Safed, denominada "a cidade da Cabala", pois lá viveram os maiores místicos de Israel. Os cabalistas valorizavam uma experiência mais íntima e mais profunda do judaísmo, inalcançável, a seu ver, pelo caminho da razão e do intelecto.
Os principais cabalistas de Safed são Rabi Moisés Cordovero (1522-1570), escritor dos mais ricos e fecundos de toda a literatura judaica, que fez um grande trabalho de síntese do sistema cabalista do seu tempo, e a grande figura de Rabi Isaac Luria Askenazi (1534-1572), denominado Ha-Ari, cujo sistema filosófico complexo era destinado a um pequeno círculo de iniciados. Ele introduziu no universo da mística judaica o conceito de Tzimtzum (contração da Luz Divina no momento do ato da criação), quem sabe uma espécie de termo cabalista que antecipa a teoria do "Big Bang" do séc. XX.
Os ensinamentos de Luria, que não deixou nada escrito, foram transmitidos até nós através da obra do seu maior discípulo, Rabi Chaim Vital, com seu Sefer Etz Ha-Hayim (Livro da Árvore da Vida). Este trabalho foi muito divulgado na Europa durante todo o século XVII e foi traduzido também para o latim.
Também foi em Safed que em 1573 os irmãos ashquenazim estabeleceram a primeira tipografia de livros judaicos não só de Israel como do Oriente Médio todo. Eles trouxeram consigo da cidade de Lublin seus aparelhos de imprimir, suas chapas, seus tipos e suas decorações.
Durante o século XVII, com o declínio gradual do governo turco, as condições econômicas da comunidade judaica começaram a se deteriorar. Inicialmente a queda do padrão de vida não afetou o nível espiritual e a cidade contava com 21 sinagogas e 18 escolas.
Mas a decadência avançou rapidamente no final do séc. XVII, agravada por uma epidemia e um terremoto que dizimaram a população da cidade. Após o desastre, grande parte dos sobreviventes partiu.
A situação da comunidade judaica de Safed só melhorou no final do século XVIII, com o estabelecimento de um governo mais estável na Galiléia e com uma nova onda migratória originária da Europa Oriental. Em 1778 se estabeleceram em Safed 300 chassidim, discípulos do Rabi Israel Ben Eliezer Baal Shem Tov e liderados pelo Rabi Menachem Mendel de Vitebsk, e em 1810 vieram os discípulos de Rabi Eliahu Gaon de Vilna. As lutas entre os beduínos e uma nova epidemia causaram um outro êxodo de judeus, especialmente rumo a Jerusalém.
Durante o século XIX a população de Safed conheceu vários altos e baixos, que culminaram com o terremoto de 1837 em que morreram cinco mil pessoas, delas quatro mil judeus. A comunidade judaica, que contava 1.500 pessoas em 1839, viu-se reduzida a meras 400 pessoas em 1845. Em seguida o governo turco beneficiou a cidade e novos imigrantes afluíram levando a população judaica a 2.100 pessoas em 1856, 6.620 em 1895 e onze mil em 1913.
Com a Primeira Guerra Mundial a cidade, que vivia da ajuda que recebia da Europa, viu-se cortada de sua fonte de sustento e a população foi dizimada pela fome e pelas doenças.
Em 1918 foi ocupada pelas tropas britânicas do general Allenby. Durante o mandato britânico as condições dos judeus de Safed se deterioraram novamente e eles passaram a ser menos de dois mil dos doze mil habitantes da cidade.
Após a Guerra de Independência, em 1948, a cidade foi ocupada pelas forças do Palmach e a população árabe se retirou.
Safed se torna desde então uma cidade judia que recupera rapidamente sua identidade espiritual e mística. A memória judaica de quase mil anos que a cidade preserva, volta a viver graças à força e ao valor do estudo e da fé.
Bibliografia
1. M. Michalson, Y. Slomon, M. Milner, "Mekomot Kedoshim U Kivrei Tzadikim Be Eretz Israel". Defense Ministry, 1996.
2. Rabbi Moise Cordovero, "Le Palmier de Debora", collection "Les Dix Paroles", Verdier 1985
3. Laurent Cohen, "Safed: beauté et l’esprit", Tribune Juive Nº 1397, 6 mars 1997
4. Enciclopédia Judaica: Safed
5. E. Barnavi, M. Eliau Feldon, M. Opatowiski, "A Historical Atlas of the Jewish People", Schocken Books, New York
6. Michael Shapiro, "The Jewish 100", "Isaac Luria".
7. I. Gutwirth, "The Kabalah and Jewish Misticism".
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quarta-feira, 19 de maio de 2010
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